Em todos os hobbies e actividades fazemos categorizações. Sente-se a necessidade, para sabermos de que falamos, de dividir as águas, e daí se desenvolvem gírias próprias de cada grupo. O hobby dos jogos de tabuleiro não é excepção, pelo que existem já vários termos "nossos" e já tratamos de os dividir em várias categorias, pela sua origem, mecânica, aspecto e finalidade.
Este primeiro artigo da minha colaboração com o JogoEu pretende apresentar, a quem não conhece, o conceito de gateway game assim como dar alguns exemplos para quem tiver o interesse de introduzir amigos no hobby ou mesmo formar um novo grupo de boardgames neste nosso pequeno país.
Comecemos assim:
Gateway: porta de entrada, de acesso ou de passagem.
Por esta altura ficou o desconhecedor esclarecido, não é? Um gateway game é um jogo que serve o propósito de funcionar como apresentação do nosso hobby a uma pessoa nova neste meio. É um jogo que vai funcionar como a "cara" do hobby a que dedicamos bastantes horas do nosso tempo, é o nosso cavalo de batalha e o nosso instrumento de sedução.
A maioria dos membros desta comunidade jogou Monopólio, Risco e Trivial Pursuit quando éramos miúdos. Alguns de nós gostavam dos jogos, outros nem por isso, outros gostavam mas sentiam que faltava ali alguma coisa (estou entre estes). Cada um de nós, a certa altura da sua vida, lá se deparou com um gateway game, o tal jogo que nos espicaçou a curiosidade, que nos fez googlar aquele jogo, e que, provavelmente nos fez deparar com sites como o boardgamegeek, ou o nacional abreojogo.
Então e de que jogos estamos a falar? Comecemos pelos típicos, os chamados family games (simples e em geral de curta duração):
Carcassone e Alhambra
Dois jogos do tipo tile-placing, em que vamos construindo uma cidade com pequenas peças, colocando-as de forma a que nos beneficie. São jogos simples e que mesmo assim exigem concentração e decisões tácticas. Ambos dispõem de uma data de expansões que permitem tornar os jogos mais diversificados, mais divertidos e, acima de tudo, mais rejogáveis.
Settlers of Catan (Os Descobridores de Catan)
Settlers of Catan (Os Descobridores de Catan)
O meu gateway, comprei-o com a minha namorada para satisfazer a curiosidade de saber que jogos esquisitos eram aqueles que apareciam na tabacaria local.
Este consiste no desenvolvimento de povoações numa ilha, de gestão de recursos que lá se vai recolhendo, troca destes mesmos, e desenvolvimento das nossas cidades. Para mim, funcionou. Achei o jogo completamente inovador, não tinha nada a ver com os que tinha jogado na infância e fiquei com vontade de conhecer o que mais haveria por aí. O resto é história, nasceram dois viciados.
Como estes três jogos, há muitos que se enquadram neste grupo. Jogos leves, simples de entender, que não assustam o candidato a fã do hobby e que o impressionarão com o quão diferentes são dos jogos mainstream que encontramos nas lojas. Alguns destes até já começam a aparecer nos hipermercados e tabacarias (muitos com regras em português, e até versões integralmente na nossa língua), sinais de que o nosso hobby começa a crescer e a justificar atenção da parte dos comerciantes. Os fabricantes, pelo seu lado, cada vez se focam mais na produção dos seus jogos, procurando obter produtos atraentes, porque os olhos também compram.
Para as pessoas que não manifestam qualquer interesse em jogar algo pesado, há também jogos muito mais leves e os party games. Estes segundos procuram ter uma componente especialmente divertida, e tipicamente suportam um grande número de jogadores. Aponto dois da minha colecção que são um grande sucesso quando os levo para uma festa ou um jantar com amigos.
Jungle Speed
Um jogo muito divertido. Temos um totem no meio da mesa, cada jogador tira à vez uma carta, e quando esta é igual à de outro, temos um duelo para ver quem agarra o totem em primeiro lugar.
Saboteur
Um pequeno jogo de cartas que insere dois conceitos não existente nos jogos clássicos, o de cooperação e o da existência de um traidor. Somos mineiros que procuram uma fantástica pepita de ouro. Vamos desenhando com as cartas o caminho para onde achamos que esse tesouro estará. Só que alguns de nós são os tais sabotadores, que querem o ouro só para eles, e tentarão tramar a equipa do bem...
No entanto, há algo que acho relevante mencionar, que comecei a notar à medida que ia inserindo novas pessoas no hobby. Gateway game é um rótulo que nem sempre é justo. Em vez de seguir by the book que jogos devemos utilizar para apresentar o hobby a alguém, é para mim mais importante atentar ao perfil da pessoa. Se estamos a lidar com alguém que nunca jogou e que não tem contacto com raciocínios e situações de jogo, é provável que os jogos apontados sejam os ideais. É até bem provável que nunca se interessarão por jogos fora deste grupo, e tudo bem!
Mas eu sou eng. informático, tal como muitos amigos meus. É malta que sempre jogou uma coisa ou outra, e que está habituada ao tipo de raciocínio lógico e táctico que existe fortemente em jogos. Para este tipo de pessoa, tal como para muito mais gente, jogos light como Carcassone e Catan, serão engraçados, mas não serão desafiantes e intrigantes. Faltar-lhes-á o "factor uau"!
A carta que eu jogo, que é tremendamente eficaz (também porque é um jogo fabuloso) é, senhores e senhoras, o Power Grid. Mostro-lhes um jogo de peso-médio, nada difícil de aprender, em que rapidamente se percebe que oferece muitas decisões estratégicas, que exige concentração e cálculos mentais, e que para o ganhar contra um jogador experiente tem muito que se lhe diga. Enquanto constroem uma rede para fornecer energia a cidades de um país e compram as suas centrais, as pessoas intrigam-se com a riqueza deste jogo, e no fim, o factor uau foi atingido. Este, é o meu "gateway para engenheiros", porque também eu tenho de inventar um rótulo para um grupo de jogos senão murchava e morria.
Outro fenómeno curioso é o de alguns jogos mais complexos tentarem ser gateways de si mesmos. São já vários os que vêm com "versões familiares" ou "de aprendizagem", como é o caso do Agricola, do War of the Ring, e do Steam que está para sair.
Conclusão, um jogo gateway é o que referi. Cabe-nos a nós a responsabilidade de tirar da prateleira o jogo mais indicado para o grupo em questão. Há que ter em conta com quem estamos a lidar, que género de jogo os interessará? Estamos a lidar com alguém que precisa de passar por uma adaptação suave, e que não parece estar já preparado para um jogo mais pesadinho? Carcassonne! Temos aqui alguém que lidará perfeitamente com um jogo mais "carnudo"? Power Grid ou um similar! Fã de jogos de computador? Porque não um Starcraft? Fã de história? Um wargame para iniciantes, por exemplo!
Infelizmente haverá casos de jogadores que até poderão ter sido afugentados por terem sido inseridos com jogos mais leves, quando procuravam um desafio maior. A decisão fica, claro, nas mãos do bom senso do introdutor. Tendo em conta o crescimento do nosso hobby, torna-se claro que temos tido jeito para a coisa. ;)
Abraços,
Asur
Asur
9 comentários:
Boas Asur!
Adorei o teu artigo e entendi gostei de pensar nesse teu raciocínio de que nem todos precisam de começar pelo 0, há quem possa começar já em andamento!
Muito bom, parabéns!
Carlos
PS - Venha o próximo... :)
Parabéns Assur!
Gostei muito do teu artigo, continua assim...!
Abraços
Obrigado amigos.
Conselhos e críticas são bem vindos. ;)
abraço
Viva Zé Mário. Sabia que eras a pessoa certa para colaborar connosco. Que possas encontrar aqui um espaço para partilhares todo o teu interessante conhecimento eclético.
Excelente artigo.
Partilho da mesma opinião: isto de gateways é muito subjectivo.
Continua o bom trabalho.
Obrigado pelo apoio ;)
100% de acordo.
Esta questão da rotulagem é sempre problemática e, não raras vezes, limitadora. É preciso ter esta sensibilidade (e também o bom senso) de escolher o jogo de acordo com a pessoa que estamos a tentar introduzir no hobby.
Falando de música digo às vezes que toda a gente gosta de jazz, desde que descubra o jazz certo para si. O mesmo se aplica aos jogos.
Keep on swinging...!
Muito bom, venham de lá mais artigos de opinião como estes!
Parabéns Zé Mário pelo artigo, uma reflexão que gostei muito de ler. Concordo com o que escreves e achei especial piada ao conceito de "gateway para engenheiros". eheh
Continua o bom trabalho e que venham mais artigos.
Abraço,
Gonçalo
P.S.: Desculpa só agora ter lido o artigo e comentado, mas mais vale tarde do que nunca. :)
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